segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

SOBRE OS ARROUBOS MORALISTAS DOS JORNALISTAS

"Gide dizia que com bons sentimentos se faz má literatura. Mas com bons sentimentos se faz audiência. É preciso refletir sobre o moralismo das gentes midiáticas: frequentemente cínicos, eles propugnam por um conformismo moral absolutamente prodigioso. Os apresentadores de jornal televisivo, os animadores de debate, os comentaristas esportivos se transformaram em pequenos diretores de consciência, porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno burguesa. Dizem o que é preciso pensar sobre os problemas da sociedade." (Bourdieu apud Belluzzo, Carta Capital, n.575, 09 de dezembro de 2009)

sábado, 24 de outubro de 2009

O MELHOR CAMINHO SEGUNDO POSSAS

"Em economia, como na vida, o caminho mais curto raramente é a linha reta. A alternativa de expor as conclusões diretamente, apenas fazendo uma ou outra referência tópica aos autores ou teorias que as inspiraram, dificilmente atenderia à finalidade maior de buscar um avanço real no assunto tratado. E um modesto deslocamento em bloco, em toda a linha, que permita reunificar forças dispersas e consolidar posições, não raro é mais proveitoso do que uma ofensiva concentrada". (POSSAS, Mário Luiz. Dinâmica da Economia Capitalista: uma abordagem teórica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, página 13)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

TRAÇO MARCANTE DO CAPITALISMO

"As operações de mercado são, via de regra, transações entre agentes de poder desigual. Com efeito: a razão de ser do comércio - expressão de um sistema de divisão do trabalho - está na criação de um excedente cuja apropriação não se funda em nenhuma lei natural. As formas 'imperfeitas' de mercado a que se refere o economista não são outra coisa senão um eufemismo para descrever o resultado ex-post da imposição da vontade de certos agentes nessa apropriação. Posto que todos os mercados são de alguma forma 'imperfeitos', as atividades de intercâmbio engendram necessariamente um processo de concentração de riqueza e poder. Daí a tendência estrutural, observada desde os primórdios do capitalismo industrial, para a formação de grandes empresas. Muitos observadores inferiram erroneamente dessa observação que as pequenas empresas tenderiam a desaparecer. Mas a experiência demonstraria que elas são insubstituíveis no exercício de importantes funções: sem as pequenas empresas o sistema capitalista perderia consideravelmente não só em flexibilidade mas também em inventividade e iniciativa." (FURTADO, Celso. Criatividade e Dependência na Civilização Industrial. São Paulo: Cia das Letras,2008.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

SISTEMA ECONÔMICO

"(...)um sistema econômico, como uma nação ou religião, não vive só de pão, mas também de crenças, visões e fantasias, que nem por estarem erradas são menos vitais. E sempre há interesses adquiridos para mantê-las vivas." (KIERNAN, V.G., Estados Unidos - o novo imperialismo: da colonização à hegemonia mundial. RJ: Editora Record, 2009, pág. 184)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

SOBRE MINHA ALDEIA

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. (Fernando Pessoa)

sábado, 14 de março de 2009

SOBRE O CULTO DO PÓS-MODERNISMO

"O 'pós-marxismo' deu lugar ao culto do pós-modernismo, e a seus princípios de contingência, fragmentação e heterogeneidade, sua hostilidade a qualquer noção de totalidade, sistema, estrutura, processo e 'grandes narrativas'. Mas se essa hostilidade se estende à própria idéia de capitalismo como sistema social, ela não evita que essas correntes intelectuais tratem 'o mercado' como se ele fosse uma lei natural, universal e inevitável, enquanto, paradoxalmente, bloqueiam o acesso crítico a esse poder totalizador pela negativa de sua unidade sistêmica e pela insistência na impossibilidade de conhecimentos 'totalizadores'. A fragmentação e a contingência pós-modernistas se unem aqui à estranha aliança com a 'grande narrativa' do 'fim da história'". (WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, pág. 13)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

SOBRE O CAPITALISMO

“O capitalismo cria a ilusão de que as oportunidades são iguais para todos, a ilusão de que triunfam os melhores, os mais trabalhadores, os mais diligentes, os mais ‘econômicos’. Mas, com a mercantilização da sociedade, cada um vale o que o mercado diz que vale. Não há nenhuma consideração pelas virtudes, que não sejam as ‘virtudes’ exigidas pela concorrência: a ambição pela riqueza e a capacidade de transformar tudo, homens e coisas, em objeto do cálculo em proveito próprio. No entanto, a situação de partida é sempre desigual, porque o próprio capitalismo, a própria concorrência, entre empresas e entre homens, recria permanentemente assimetrias entre os homens e as empresas.” (MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1998, páginas 581 a 582.)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

SOBRE A RACIONALIDADE NA TEORIA ECONÔMICA

“A racionalidade individual é um pressuposto metafísico da direita econômica, necessário para apoiar a “construção” do mercado como um servomecanismo capaz de conciliar os planos individuais e egoístas dos agentes. A metafísica oculta uma “ontologia do econômico” que postula uma certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade capitalista. Para esse paradigma, a sociedade onde se desenvolve a ação econômica é constituída mediante a agregação dos indivíduos, articulados entre si por nexos externos e não necessários, tais como os que atavam Robinson Crusoé a Sexta-Feira.” (Belluzzo: especial Caros Amigos, n. 26, dez de 2005, p. 08)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

AFORISMO 303

AFORISMO DE FERNANDO PESSOA:
303
O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, à vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção – a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.
Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte – ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou cima.
O exemplo máximo do homem prático, porque reúne a extrema concentração da acção com a sua extrema importância, é a do estratégico. Toda a vida é guerra, e a batalha é, pois, a síntese da vida. Ora o estratégico é um homem que joga com vidas como o jogador de xadrez com peças do jogo. Que seria do estratégico se pensasse que cada lance do seu jogo põe noite em mil lares e mágoa em três mil corações? Que seria do mundo se fôssemos humanos? Se o homem sentisse deveras, não haveria civilização. A arte serve de fuga para a sensibilidade que a acção teve que esquecer. A arte é a Gata Borralheira, que ficou em casa porque teve que ser.
Todo o homem de acção é essencialmente animado e optimista porque quem não sente é feliz. Conhece-se um homem de acção por nunca estar mal disposto. Quem trabalha embora esteja mal disposto é um subsidiário da acção; pode ser na vida, na grande generalidade da vida, um guarda-livros, como eu sou na particularidade dela. O que não pode ser é um regente de coisas ou de homens. À regência pertence a insensibilidade. Governa quem é alegre porque para ser triste é preciso sentir.
O patrão Vasques fez hoje um negócio em que arruinou um indivíduo doente e a família. Enquanto fez o negócio esqueceu por completo que esse indivíduo existia, excepto como parte contrária comercial. Feito o negócio, veio-lhe a sensibilidade. Só depois, é claro, pois, se viesse antes, o negócio nunca se faria. “Tenho pena do tipo”, disse-me ele. “Vai ficar na miséria”. Depois, acendendo o charuto, acrescentou: “Em todo o caso, se ele precisar qualquer coisa de mim” – entendendo-se qualquer esmola – “eu não esqueço que lhe devo um bom negócio e umas dezenas de contos”.
O patrão Vasques não é um bandido: é um homem de acção. O que perdeu o lance neste jogo pode, de facto, pois o patrão Vasques é um homem generoso, contar com a esmola dele no futuro.
Como o patrão Vasques são todos os homens de acção – chefes industriais e comerciais, políticos, homens de guerra, idealistas religiosos e sociais, grandes poetas e grandes artistas, mulheres formosas, crianças que fazem o que querem. Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer. O resto, que é a vaga humanidade geral, amorfa, sensível, imaginativa e frágil, é não mais que o pano de fundo contra o qual se destacam estas figuras da cena até que a pena de fantoches acabe, o fundo-chato de quadrados sobre o qual se erguem às peças de xadrez até que as guarde o Grande Jogador que, iludindo a reportagem com uma dupla personalidade, joga, entretendo-se sempre contra si mesmo.
(PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. São Paulo: Cia das Letras, 2006, páginas 292 a 294.)